Free jazz à bolonhesa


Já fazia algum tempo que gente como Cecil Taylor estava agitando, mas foi o quarteto de Ornette, no Five Spot, que nos desentupiu os ouvidos. Parecia uma briga de cachorros, ou melhor, os instantes que precedem uma briga de cachorros, você os ouve na esquina e imagina a cena, os donos puxando as guias e chamando os cães, e os dois bichos mordendo o ar, tentando voar um pra cima do outro, eles puxam, rosnam, latem, babam, e as vozes dos donos mandando parar, flexionando os bíceps, falam com os cães como se fossem gente, mas sem convicção: no fundo estão fingindo, a verdade é que estão orgulhosos da força e dos colhões de seus animais, riem por baixo dos bigodes…

Um trecho que é uma boa definição da estrutura de New Thing, um estranho romance policial – escrito por Wu Ming 1, pseudônimo chinês para o fundador de um grupo de escritores anarquistas italianos chamado Wu Ming [sem nome], anteriormente reunidos sob o nome-guarda-chuva Luther Blisset.

Roberto Bui, seu nome real, é um cara evidentemente influenciado pelo Gil Scott-Heron de O Abutre e suas vozes múltiplas, se harmonizando às dentadas como em um free jazz. Este bolonhês que escreve sobre assassinatos em série na cena jazz da Nova York de 1967 também leu o clássico punk Please kill me [Legs McNeil & Gillian McCain] e ainda, conforme confessa no posfácio, o divertido Gauleses irredutíveis [Álisson Ávila, Cristiano Bastos. Eduardo Müller], que passeia pelo rock gaúcho dos anos 80.

Uma escrita libertária que briga com o racismo, o fundamentalismo e o consumismo, prega o copyleft, a apropriação de qualquer influência, a polifonia narrativa e a invenção de heróis falsos como vírus para detonar o sistema de culto à celebridade… é, tem tanto idealismo aí quanto um pouco de ingenuidade, principalmente na européia babação de ovo em cima dos niggas superheroes [Blisset é o nome de um craque jamaicano que jogou no Milan e foi o primeiro negro a defender o English Team].

Sei não, amo Coltrane e seus asseclas, mas meu desconfiômetro dedura: acho que um dia tudo isso será usado pra vender tênis. A revolução não será televisionada… antes de ser customizada.

Ok, um dia eu jogo meu desconfiômetro pela janela…

Autor: rbressane

Writer, journalist, editor

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